Será que o atrevimento da
agência de rating Moody em baixar o rating da dívida soberana de longo prazo da
China da Aa3 para A1, apesar da China continuar a ser a segunda maior economia
do mundo e em rota para ultrapassar os EUA, é prenúncio de uma ressecção a escala
mundial ou mais um passo na erosão da credibilidade das agencias de rating do
(desumanos) sistema capitalista mundial?
Se olharmos a evolução dos ratings
(classificação ou notação do risco) da Moody, sendo esta uma agência de
notação/rating americana, que prenuncia uma possível crise da divida soberana
da China temos que perceber como é que
se classifica as solvências ou insolvência da mesma para podermos perceber
porque a China está furiosa com este rating da Moody, senão vejamos.
Se uma agência de notação
de risco, é uma empresa que, por solicitação de clientes, qualifica
determinados produtos financeiros ou activos (tanto de empresas, como de
governos ou países), avalia, atribui notas e classifica esses países,
governos ou empresas, segundo o grau de risco de que não paguem suas dívidas no
prazo fixado. Quando esse risco de inadimplência se refere a operações de
crédito concedido a um Estado soberano ou ao seu Banco Central,
é chamado risco soberano. Quando o risco se refere contratos de crédito
firmados com a totalidade dos agentes (públicos, incluindo entidades
internacionais e não soberanas, ou privados) de um país, utiliza-se a expressão risco
país. Cada agência de notação de risco possui uma rating/taxonomia própria. Quanto maior for a probabilidade de moratória do agente, pior
será a sua nota ou a sua classificação. Geralmente, utiliza-se a escala A, B,
C, D. Na escala da Moody, a melhor classificação é Aaa; a pior é C. Notas
acima de BBB- ou Baa3 dão ao agente o grau de investimento,
enquanto que os classificados abaixo dessa nota recebem o grau de
especulação ou lixo.
Mesmo que existam muitas agências de rating
espalhadas pelo mundo (todas privadas), apenas quatro (a Fitch, a Moody’s, a
Standard & Poor's, todas norte-americanas, e a canadiana DBRS) são
reconhecidas mundialmente para avaliar o risco de estados e empresas e tem
magnatas como Carlyle ou Warren Buffet como alguns dos grandes investidores.
Para entendermos do porque a China estar
furiosa, é que um dos problemas é que sendo empresas privadas cujo objectivo é
o LUCRO, e cobram comissões as avaliações de riscos aos estados/empresas o que
traz, então, um conflito de interesses: uma empresa paga a agência para ser
avaliada, e a agência, para manter o cliente, pode fazer uma análise mais
positiva dessa empresa. E Isto foi visto durante a crise financeira de
2005-2007 onde se viram muitas agências de notação trabalhavam sobre títulos e
produtos financeiros que mal conheciam o verdadeiro risco. Como as avaliações
eram dadas notas artificiais e inflacionadas, quando chegou a altura de cobrar
muitos títulos ficaram sem pagamento para os seus detentores por inadimplência dos países
emissores. A
crise criou um problema de credibilidade destas agências, e um problema que se
mantem até hoje
Outro problema é quem
financeiramente supervisiona financeiramente estas agencias, são os governos
onde têm as suas sedes, e as das quatro mais importantes três são reguladas nos
EUA. Existe uma dependência em relação ao poder político onde estão sediadas a
quem prestam contas o que não há em relação a outros países. E a forma como se
avalia determinados países pode ser influenciada pelo tipo de poder do dia,
neste caso a administração Trump e o seu “America First”. Daí que
seja pouco provável que estas agencias se atrevam a dar uma avaliação de “lixo”
aos EUA como deram a vários países nu mundo incluindo Moçambique. Como
as agencias de rating não são todo-poderosas na economia mundial ou nas
economias onde estão domiciliadas, precisam do poder político. Neste caso, o
poder que a Moody detêm em relação a qualquer estado decorre das regras
determinadas pelo governo dos EUA. E quando a Moody diz, por exemplo, que só
compre activos de um país se a classificação/notação for acima de
"lixo", o que estão a fazer é delegar uma grande e todo-poderosa
influência. Mas é o Governo dos EUA que confere a esta agencia de rating o
poder que têm, o de secar a torneira do crédito a um determinado país. Esta
actuação da Moody pode também ser lida como um instrumento político de pressão
financeira sobre os estados igual a que foi dada através do Banco Mundial e
FMI. Ao dar esse poder às agências de rating estão a dizer aos estados-membros
para se comportarem de determinada maneira ou, em alternativa, a alterar o
comportamento financeiro desses países, o que lhes condiciona muito a sua
política financeira. Preocupações de que estas agencias podem não estar agindo
de forma isenta , pode ser o que originou o enfurecimento da China.
Como a escala, no mínimo,
significa alta probabilidade de não pagamento das dívidas dentro do prazo
acordado e, no topo, total capacidade de pagamento, uma letra ou um conjunto de letras com um mais ou
um menos à frente são suficientes para destruir toda uma economia, todo um
país, toda uma população, ter de mudar de vida e apertar o cinto, daí o poder
enorme destas agências de notação financeira.
Para quem investe dinheiro é essencial ter
uma noção do risco de um país/ empresa em relação a outras ou até de o risco
relativamente ao futuro. Ao emprestar dinheiro à país/empresa, o investidor
pretende ter de volta o capital. Os títulos de dívida do país/empresa podem ser
assim comparados pelos investidores, tendo em conta o risco. Quanto mais
arriscados os investimentos, maior a taxa de juro que o devedor pagará, é essa
análise que os investidores decidem se investem ou não.
A evolução do rating/taxonomia de uma crise é observada
através da dinâmica da dívida e do défice orçamental tomando como base os
limites de Maastricht (100%) como um limiar crítico para a sustentabilidade
como referência. A combinação do rácio da dívida em percentagem do PIB (D) com
o saldo corrente em percentagem do PIB (SO) permite a caracterização da
situação de um país tendo uma dívida:
A dívida é INSUSTENTÁVEL
quando é [D > 100 e SO > 3];
A dívida é CRÍTICA
quando [D > 100 e SO < 3 e D < 60 e SO > 3];
A dívida é PREOCUPANTE
quando [D > 60 e SO < 3, D < 60 e SO > 3];
A dívida é CONFORTÁVEL
quando [D < 60 e SO < 3]
Olhando a definição de
como se faz o rating, a dívida da China em % do PIB (D) é de
42.90% e o Saldo Orçamental (SO) é -3.80. Ou seja, com as receitas
do Estado situados +-$16 Biliões, o país gasta (gastos públicos) +-$18 Biliões
o que cria um salto negativo digamos de $2 biliões, com um risco de crédito
79.5. As cinco ultimas classificações da Moody foram Novembro 2009-A1 positivo,
Novembro 2010-Aa3 Positivo, Abril 2013-Aa3 estável, Março 2016 Aa3
negativo, e Maio 2017-A1 estável.
Se comparamos a China das
outras duas principais economias do Mundo, Japão e EUA, veremos que: a dívida
do Japão em % do PIB (D) é de 250%e o Saldo Orçamental
(SO) é -4.50. Ou seja, com as receitas do Estado situados +-$16
Biliões, o países gasta (gastos públicos) +-$106 Biliões o que cria um salto
negativo digamos de $44 biliões, com um risco de crédito 77.6. A ultima
classificação do Moody é de A1 estável em Dezembro de 2014, precedida da de
Agosto 2014-Aa3 estável, Maio 2011-Aa2 negativa sob vigilância, Fevereiro
2011-Aa2 negativa e Maio 2009-Aa2 estável; e a dívida dos EUA em %
do PIB (D) é de 104.17% e o Saldo Orçamental (SO) é -3.20.
Ou seja, com as receitas do Estado situados +-$455 Biliões, o países gasta
(gastos públicos) +-$18 triliões o que cria um salto negativo digamos de $18
triliões, com um risco de crédito 97.00 %.00. A ultima Classificação do Moody
foi em Junho de 2013-Aaa Estável, precedidas de Agosto 2011-Aaa negativo, Julho
2011-Aaa negativo sob vigilância, Fevereiro 1949 Aaa estável. Lembremos que a
ultima crise financeira e recessão dos EUA foi nos anos 2005 a 2007 (criado
pelos Lehman Brothers durante a administração W. Bush) e Administração Obama debelou de 2008 a 2012.
Apesar de não ter nada a
ver com este post, abriria um parêntesis aqui para termos uma ideia do porque a
China esta furiosa com o rating da Moody, vamos ilustrar as classificações que
ela deu a Moçambique: Julho 2016-Caa3 negativa sob vigilância, Maio 2016-Caa1
negativa sob vigilância (a famosa de lixo), Abril 2016 Caa1 estável,
Março 2016 B3 negativa, Dezembro 2015-B2 negativa sob vigilância,
Agosto 2015-B2 negativa, Setembro 2013-B1 estável. A divida de Moçambique que
se estima que esteja a 135% do nosso PIB, ou seja $11 biliões (e não quero
discutir a legalidade da mesma aqui), foi maioritariamente contraída por causa
de factores como globalização e liberalização financeira mundial que
permite práticas de alto risco nos mercados de crédito encorajadas pelas
condições de crédito fácil e barato. Foi a existência de crédito fácil (dinheiro
a mais para emprestar) no mercado internacional que levou o governo a dar aval
aos empréstimos contraídos pelas empresas PROINDICUS, EMATUM e MAM aos bancos
Credit Suisse International e VTB Capital, em mais de $2 biliões. Quando existe
muito dinheiro para emprestar que os bancos são capazes de te empurrar para
contrai-lo, o problema será sempre como pagar.
Voltando o essencial deste post, os títulos
da dívida soberana da China eram considerados mais ou menos seguros, isto é, a
capacidade do Governo Chinês para pagar a divida, que diga-se de passagem é até maioritariamente
de investidores internos. O que era inquestionável desde 1898 (ano do massacre
de Tiananmen), a capacidade da China pagar a sua divida, foi posto em causa
pela Moody. O principio é as agencias de rating não mexem a classificação de
risco de crédito de um países só por mexer. Quando mexem é prenúncio de que há
problemas.
A Moody não acredita que
o rácio de dívida, total e acumulada da China seja sustentável, ou seja, a
Moody não acredita no crescimento económico da China continue nos actuais 7% a
10%. E sendo uma economia virada também as exportações, a sua desaceleração
deixaria um excesso a sua capacidade industrial e imobiliária o que põe nervoso
todo mundo. Uma desaceleração de uma economia com tentáculos
mundiais como a China que é detentora de títulos das dividas
soberanas de países como os EUA já podemos imaginar o reboliço
que isto esta causar.
Por outra lado, se esta
classificação, diga-se de passagem está muito longe dos níveis de inadimplência, for infundada reacende o debate que
os europeus uma vez disseram que iriam criar as suas próprias agencias de
rating para não ficar dependente das avaliações das americanas, que noutras
vezes falham nas suas avaliações o que põe em risco a sua
credibilidade. Por exemplo, a credibilidade e independência das agências de rating falhou durante a
crise financeira que começou nos Estados Unidos em 2005-2007 com as
especulações super elevadas no sector imobiliário ou quando a Islândia que,
tendo um rating muito elevado, entrou em bancarrota por estar em situação
de inadimplência muito agudo. É disso que poder estar
a levar que a China esteja furiosa e questione a relevância dessa avaliação se
bem que nenhum mercado ou país seja obrigado a aceita estes ratings.
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