Face a votação de 9 contra 7 e abstenção do Presidente da CNE para afastar Venâncio Mondlane (VM) de cabeç-de-lista da Renamo nas autárquicas de 2018, por alegadamente violar o preceituado no artigo 13 da lei n°7/2018 de 3 de Agosto que postula: "não ser elegível a órgãos autáquicos: o cidadão que tiver renunciado ao mandato imediatamente anterior", há quem acha que se devia profissionalizar a CNE com juízes e advogados de renome na praça. Mas, eu acho que não.
Diferentemente do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral (STAE) que é meramente profissional na administração do processo eleitoral, nesta fase da nossa jovem democracia que só tem mais ou menos 24 anos desde a realização das primeiras eleições gerais em 1994 e 28 anos desde a aprovação da Constituição de 1990, é imperioso, dado as desconfianças das partes e, adicionados ao facto de que nos primeiros quase 20 anos pós independência, todos os funcionários públicos tinham que ter alguma afinidade com a linha ideológica do partido FRELIMO.
É esta desconfiança que levou a Renamo a desconfiar da imparcialidade da sociedade civil para liderar a CNE. É esta desconfiança, que levou a Renamo a exigir, no recente diálogo da paz entre o Chefe de Estado, Filipe Nyusi e o falecido Afonso Dhlakama, a integração do homens da Renamo no exército, polícia e inteligência, se bem que este último não foi possível concretizar.
Daí que se a Renamo vê que instituições como a polícia, o exército e inteligência, que são meramente profissionais, são utilizadas ao seu desfavor, então não seria diferente com a CNE e nem com o STAE, cujo o funcionamento têm sido fontes de inquietação das operações, não só em Moçambique, mas em quase todo mundo que esta a fazer a quarta onda de democratização como é o caso de Moçambique, Zimbábwe, Kenya, ou Senegal, só para mencionar alguns.
Assim, acho justo que a CNE continue com representação dos partidos com assento parlamentar até que a sociedade civil seja equilibrada na representação de todas as tendências políticas.
Indo ao ver e deste artigo, esta a "patética" votação dos membros indiciados pela FRELIMO e o MDM na CNE para afastar VM de cabeça-de-lista da Renamo para Maputo nas municipais deste ano utilizando como base o artigo 13 da lei n°7/2018 de 3 de Agosto. Patética, porque não faz sentido por três razões:
(i) Qualquer legislação superveniente não é aplicada em retroactivo. É básico em direito e não precisava ter uma CNE composta de juristas. Exemplo disto há no passado em que o Presente Chissano que já era Chefe de Estado desde 1986, teve 2 mandatos presidenciais consecutivos, depois de aprovada a lei eleitoral que regulamentava as eleições de 1994. Assim, quando VM deixou a Assembleia Municipal em 2015, não poderia ele saber que em 2018 seria aprovada uma Lei eleitoral que constituiria um impeditivo
(ii) Se existe inelegibilidade então esta deve ser aplicável a todos os concorrentes em igualdade de circunstâncias. Não faz sentido não só, aplicar-se uma lei eleitoral aprovada a posteriori a um acto que precedeu a sua aprovação como também, escolher a aplicação da lei para afastar alguns candidatos e deixar outros nas mesmas condições de inilegibilidade, caso fosse o caso. Se Venâncio Mondlane é inilegivel, então Ronguane, que também se demitiu da assembleia municipal em 2015 não deveria ser elegível. Aliás, em qualquer verificao ou vetting dos candidatos, este seria um critério que a CNE deve verificar a todos os candidatos.
(iii) Esta proibição que vêm na actual lei eleitoral de que membros de cargos electivos é no mínimo inconstitucional. Não se pode limitar os direitos constitucionais de eleger e ser eleito sem que não haja um impeachment ou caçação do mandato e uma limitação dos direitos de cidadania decretada por um tribunal. O facto de o indivíduo se ter demetido, não é o suficiente para renuncia dos seus direitos constitucionais. Ademais, parece que Venâncio Mondlane não se demitiu, mas sim deixou de pertencer a assembleia municipal para passar a membro da assembleia nacional por incompatibilidade de funções e probidade pública.
Assim sendo, acho que a CNE não tem mais que se retratar e aprovar o recurso da Renamo, que certamente irá recorrer, ou arrisca-se a ser envergonhada com um acórdão do Conselho Constitucional para restituição dos direitos eleitorais e de cidadania de Venâncio Mondlane.
Adicionados a isso, duas medidas urgem de ser criadas no nosso ordenamento jurídico:
A declaração da inconstitucionalidade do artigo na lei eleitoral que impede a recandidatura de quem se tenha demitido e não tenha sido declarada pelo tribunal esse limitação dos direitos políticos e eleitorais.
Urge também a criação de um Tribunal Superior Eleitoral que deve ser a instituição que deve derimir os conflictos eleitorais assim como emissão de certidões de filiação partidária e de elegibilidade dos cidadãos.
Temos uma democracia ou estado de direito jovem, mas precisamos de nos equipar com instituições ou órgão de soberania na forma de tribunais superiores que sejam considerados a terceira instância, apesar de não existir o grau de hierarquia formal no Poder Judiciário. Isto porque as decisões tomadas em primeira e segunda instância podem ser revistas pelos tribunais superiores, por meio de recurso. Neste ordenamento, o Tribunal Supremo será a instância extraordinária, por se tratar da Corte máxima do Judiciário, cujas decisões finais não podem ser recorridas a nenhum outro Órgão.
Sendo criado o Tribunal Superior Eleitoral, este irá actuar em causas de competência originária (recursos que se iniciam no próprio tribunal) ou como revisores de decisões da primeira e segunda instâncias (tribunais provinciais estaduais e distritais) inclusive revendo decisões da CNE e o seus juízes nomeados, como outros juízes de outros Tribunais Supremos, pelo Chefe de Estado com aprovação prévia do Parlamento.
Neste ordenamento,o CC irá continuar sendo o Órgão máximo do Poder Judiciário, com competências para julgar as chamadas acções directas de inconstitucionalidade, instrumento jurídico próprio para contestar a constitucionalidade das leis ou actos normativos do estado assim como o de apreciar pedidos de extradição requerida por Estado estrangeiro, e julgar pedido de habeas corpus de qualquer cidadão. Assim sendo, a constitucionalidade da norma do artigo 13 da lei n°7/2018 de 3 de Agosto que reza: "não ser elegível a órgãos autáquicos: o cidadão que tiver renunciado ao mandato imediatamente anterior", seria apreciada pelo CC. Enquanto que a deliberação do CNE como tal sobre a elegibilidade de um candidato pelo Tribunal Supremo Eleitotal. Ou seja, julgar as chamadas acções das causas infraconstitucionais, ou seja, não relacionadas directamente com à Constituição da República.
Assim, o TSE seria o órgão máximo da Justiça Eleitoral, cuja a composição e mandatos o Parlamento poderá decidir, mas pará poupar recursos, poderia se nomear alguns juízes do CC e do Tribunal Supremo e alguns advogados indicados pelo Ordem dos Advogados nos níveis nacional, provincial e distritais. Caberá o TSE, entre outras atribuições previstas na Lei Eleitoral, julgar os recursos decorrentes das decisões dos tribunais inferiores, inclusive sobre matéria administrativa. Só assim poderemos avançar e cimentar a construção de um estado de direito e a nossa jovem democracia.